Bebendo Miratan – Sapó e ensinando a fazer pão de queijo
Em meados dos anos noventa, século XX, estava em Maués, interior do Estado do Amazonas, fazendo reportagens para o programa Cultura da Terra, que era transmitido em rede nacional na TV Cultura de São Paulo e no Canal Futura.
Era a festa do Guaraná, na capital brasileira da planta, Maués, onde se fabrica o xarope do Guaraná Antarctica. Ali conheci um índio, já civilizado, dono de um bar na beira da praia, a mais famosa da região.
Ricardo Terêncio, descendente dos Sateré-Maué, uma etnia indígena que deu origem ao nome Maués, era um índio barbudo e fá de Raul Seixas, coisa rara de se ver, a barba! Tinha apenas uma fita cassete do Rauzito, que havia ganhado de um cliente e que continha as 20 melhores músicas do cantor baiano.
Ricardo me ensinou sobre o Sapó, ou guaraná, vendido por aqui como refrigerante ou em pó, desde sua colheita até o apreciar da bebida, ‘’Dá energia amigo, muita aptidão para o dia, pra nossas caçadas e bom para nossas mulheres, homem fica forte’’, propagava ele fazendo a bebida para os clientes e sempre se referindo à mulher no plural.
O indígena me levou para conhecer os índios que cultivavam o guaraná nativo, que segundo ele, era melhor que os já clonados pela empresa fabricante do xarope de guaraná. Os índios colhem o fruto, torram, socam até virar pó e misturam água fazendo uma massa, moldam como uma calabresa, deixam secar na fumaça por 30 dias, depois ralam na língua do pirarucu e tomam o pó.
O guaraná em bastão serve para conservar o produto por longos períodos e é excelente para ser levado na viagem, por ser mais prático. Ricardo misturou a bebida com raízes de Miratan, chamada pelos índios como o Viagra da Floresta, acrescentou água de coco e mel de abelha.
Um sabor forte, energético, fiquei ativo por aqueles dias, e muitos riram, ‘’o mineiro gostou do Miratan’’, diziam, claro, tomava aquilo todo dia e várias vezes.
Do guaraná fiz hábito, até hoje tomo em jejum, uma colher de guaraná em pó (chá), sem mel, apenas com água de coco e ou com limão. Também em sucos, porém, o uso é do xarope de guaraná e aí tem várias opções como complemento, desde amendoim até cacau em pó.
Falei do pão de queijo, nossa comida típica, Ricardo disse que não gostava, ele já era vendido na padaria local. Fui lá, provei e dei razão ‘’era ruim demais, uma muxiba’’.
Aí é que entra o jeito mineiro, sugeri que ele me trouxesse o polvilho e o ensinaria a fazer nossa iguaria. Fomos no mercado, polvilho ali não era muito comum, tem que encomendar, farinha não, essa tinha mais de 20 variedades à venda no mercado.
Fui pela tradição, um prato de polvilho, seis ovos e um prato de queijo ralado, Ai pegou! Queijo coalho não se encontrava por lá facilmente naquela época, 1995, fomos atrás de quem o fabricava, notícia de que havia um mineiro há duas horas e meia de voadeira (canoa com motor de popa), levou cinco horas.
O queijo tinha o formato quadrado e pesava uns quatro quilos. Não me assustei, sabia deste hábito de fazer queijo na região de Autazes, município próximo de Maués, lá alguns fazem o queijo coalho em formas quadradas e bem maiores que os tradicionais de minas.
Já havia improvisado o ralo numa lata de marmelada redonda, com o queijo começamos a preparar o pão de queijo. Fiz a massa com ele, esposa, sogra, primos, todo mundo olhando e curiosos.
Quando estava preparando a massa, sugeri que fizessem, batendo-a bem forte pra ficar consistente. Que imagem! Eles rindo, cada um querendo pegar, levantando a mão e puxando a massa, era algo novo, não tinham até então o costume de fazer massas.
Fizeram umas bolas, mas valeu pelas risadas ao terminar o produto, assamos no fogão a gás, esse sim, existia lá e de excelente qualidade, afinal a Zona Franca funciona no estado desde os anos 60.
Quando assado, ficou crocante, abrindo-o, hum! Me senti orgulhoso, ficou muito bom. Comeram os pães quentes, adoraram, e durante minha estadia acompanhei a esposa dele fazendo o pão de queijo para vender no bar, fez sucesso!
Retornei para Manaus, onde residia na época e voltei mais vezes em Maués, sempre visitando meu amigo Ricardo Terêncio, ‘’o índio do pão de queijo’’, como passou a ser conhecido depois daquela primeira receita.
Foi o encontro entre duas culturas, trocas de experiências. Nesses outros encontros que tivemos, aprendi sobre ervas, temperos, mas não agradei de comer um prato que ele fazia questão, tracajá (tartaruga) assado, tinha pena do bichinho.
Apresento uma das matérias produzidas em vídeo na época exibida em todo Brasil pela Rede Cultura de São Paulo, postada em meu canal do Youtube.
Essa história faz parte de um livro que escrevi, mas que ainda não foi lançado, apenas um ‘’pedaço’’.
Na próxima, vou contar sobre outra reportagem, quando conheci os índios yanomamys que residem no Pico da Neblina, falando o nheengatú.
*Welington é Jornalista, Historiador, Professor – trabalhou como jornalista no Amazonas na década de 1990, pela FUNTEC – Fundação TV Cultura do AM, Radio Cidade FM e Governo do Amazonas.
ÓTIMO PROFISSIONAL! Pena que aqui temos uma pessoa chamada (removido) (tragédia)
Parabéns pelo belíssimo trabalho que desenvolve em nossa cidade e pela experiência profissional que tem Welington ????
Excelente reportagem, clareza e objetividade para relatar os fatos.
Parabéns Wellington Ney
esse deve ter fumado muito cachimbo da paz
A nem ninguém merece tanta coisa importante para falar. E ficam arrancando difunto da cova.. vai falar sobre a saúde. Que só arrumaram pessoas inexperientes para atender o povo lá na UPA..